Natal. E todo o significado que esta palavra já me trouxe… Também eu já sonhei e esperei ansiosamente por esta época, também já tive esse espírito que, de repente, pretende unir aqueles que durante um ano inteiro parecem pertencer a mundos diferentes. Um dia eu fiz parte do Natal, e gostei. Agora sou apenas um mero espectador que se limita a observar aqueles que ainda fazem parte desta época.
Hoje a noite está fria. Paira no ar da capital uma calma incaracterística, como tudo o resto nesta época. Devem estar todos nas suas casas, com as suas famílias, com os seus presentes. Os seus. Afinal o Natal não é para todas as pessoas, como muitos dizem. Quem não tem nada nem ninguém, como eu, é excluído desta festa. Passeio pelas ruas da Baixa, afinal ainda posso olhar as luzes de Natal que são para todos. As lojas e os cafés fechados, já venderam tanto que se podem dar ao luxo de fechar as portas por pelo menos uma noite, embora amanhã regressem à azáfama do consumismo. E ao fundo, no Terreiro do Paço, a gigantesca árvore de Natal. Hoje em dia, Natal é sinónimo de imponência. Os inúmeros pontinhos luminosos reflectem a vontade de ter tudo. No Natal não devia ser ter mas sim estar, estar com quem gostamos, estar feliz, estar de bem com a vida…
Queria cantar uma canção de Natal, daquelas que cantava em miúdo, quando ainda fazia parte da festa. Já nem sei se me lembro. Até isso perdi. Não completamente, afinal ainda sei a melodia, começo a cantarolá-la baixinho. Fecho os olhos. O ar frio cola-se ao meu rosto e entra dentro de mim como que tentando roubar-me o meu único momento natalício. Não deixo. Insisto em ter um Natal, nem que seja um daqueles que já passou. Lembro-me agora melhor, a canção era sobre o menino Jesus. Relembro um Natal, não sei ao certo qual, mas eu era ainda uma criança. Olho para mim naquele tempo, usava uma camisola de lã vermelha, era uma tradição de família vestir vermelho na consoada. Aparento ter uns seis anos, não muito mais, as bochechas ainda bem salientes e coradas. A minha mãe traz uma travessa para a mesa, sou demasiado baixo para conseguir ver o que é, mas pelo cheiro a canela sei que são azevias. Já me consegui lembrar do refrão da canção, mas não quero parar de relembrar aquele Natal. A minha avó sentada à mesa, ainda estava viva coitadinha, como ela gostava do Natal. Os meus irmãos começam a comer os doces, ainda eram só dois, a Maria chegou mais tarde quando eu já tinha à volta de quinze anos. A família ainda era grande nessa altura, será que ainda estão todos vivos? Já não devem estar com certeza. Tínhamos uma árvore de Natal pequena mas muito enfeitada e colorida. Em baixo o presépio. Nessa altura ainda acreditávamos que era o Menino Jesus que oferecia as prendas. Não eram muitas. Actualmente as crianças só gostam do Natal por causa das prendas que acreditam ser dadas pelo Pai Natal.
Abro os olhos, acordo de repente daquele sonho. Sinto alguém puxar o meu casaco velho. Olho na sua direcção mas não vejo ninguém. Olho mais abaixo. Vejo uma criança, uma menina. Deve ter à volta de oito anos. Tem uma cara meiga e bolachuda, cabelos compridos e castanhos com um gorro de lã branca. Não diz nada, apenas olha para mim, sem medo. Tira um cachecol vermelho que tem à volta do pescoço e estende-mo.
- Fique com ele. Deve ter frio.
Olhei-a um instante. Custou-me a acreditar que se dirigia a mim. Pensava que já ninguém dava pela minha presença, que com a velhice me tinha tornado cada vez mais insignificante, até passar completamente despercebido. Pego no cachecol.
- Clara! Já te disse que não falasses com estranhos! Vem já para aqui!
Deve ser a mãe.
- Feliz Natal!
E sorriu-me. Correu para a mãe e foi-se embora.
Recomeço a andar. A cada passo que dou tento continuar a saborear aquela lembrança, mas não consigo. Não sejas fraco, concentra-te! Não consigo, é mais forte do que eu. Não penses! É inútil. Desisto. Enrolo o cachecol ao pescoço. E aquele cheiro de criança. Ah, como já há muito me havia esquecido. Porquê? Porquê aquele gesto que me obriga a repensar tudo? Não consigo ficar indiferente, não consigo ignorar a única pessoa que, em muitos anos, me mostrou o verdadeiro Natal. No dia a dia há falta de compreensão, de preocupação, de observação e ajuda a quem realmente precisa, de uma palavra, de um carinho, de um simples sorriso que demonstra o que as palavras são incapazes de exprimir. Esta menina conseguiu fazê-lo. E este Natal, voltei a usar vermelho.
E foi este o conto que me valeu o primeiro lugar no concurso literário de Natal. Resolvi publicá-lo aqui numa tentativa, em vão, de mostrar ao mundo o que é, realmente, o Natal. Não posso mostrar ao mundo, mas posso mostrar a todos aqueles que por aqui passarem.
Felis "Natal"!
Mary, 24 de Dezembro de 2007
E chega ao fim. Chega o fim do sentimento e da esperança, dos sonhos de sermos nós, para sempre. Das noites em que me tocavas em sonhos e eu sabia que havias chegado para ficar.
Nada. Chega o nada e a plenitude desapareceu por si própria, como se fosse sendo consumida aos poucos, e se tivesse naturalmente extinguido. É o fim das juras de amor, das palavras que foram proferidas de acordo com o coração e que nunca serão esquecidas.
Serás sempre uma memória feliz, sem mágoas nem tristeza, que permanecerá para sempre comigo, mesmo que a luz tenha já sido apagada.
Não me arrependo, afinal não nos podemos arrepender das melhores coisas que fizeram parte da nossa vida e que, de certa forma, nos construiram. Porque foi isso que aconteceu, criaste uma nova parte de mim, aquela que aceita o que a vida me traz e é capaz de guardar sem mágoa as partes mais tristes da minha existencia. Contigo aprendi a aceitar-me, a ser eu e a gostar de ser eu, a ser confiante e a saber que o que faço pode não estar correcto, mas pretende ser correcto.
É isto que fica quando não temos mais nada, as recordações de uma etapa acabada mas da qual não saímos perdedores.
Gostarei sempre de ti, da pessoa que és independentemente daquilo que os outros querem que sejas. Foi isso que sempre amei em ti, e que vou esconder na parte mais inetrior de mim mesma, para que nunca acabe.
Mary, 28 de Outubro de 2007
Apetecia-me ser quem quero, ser tudo e não parar de ser eu.
Apetecia-me voar e esperar até chegarem todas as respostas que anceio.
Apetecia-me poder permanecer para sempre com a mesma esperança, com a mesma vontade de ser, de viver, de sonhar.
Ah sonhar, como é bom sonhar e continuar a acreditar que vou conseguir, que vou alcançar. Só quando sonho consigo libertar-me dos medos, sobrevoar a minha existência e saber que aquilo que faço é correcto, ter a certeza que posso ir onde quero e ser quem quero. Tenho tudo quando sonho, tudo aquilo que me faz feliz, tudo o que me faz continuar a sonhar.
Depois acordo, e sei que tenho o meu mundo nas mãos, confortante? assustador? Eu diria que ambos.
Reduzo-me a mim própria, à minha identidade, mas sei que estarei sempre pronta a sonhar, mesmo que deixe de acreditar.
A distância.
Pode ser dolorosa, exasperante, desmotivadora, cruel... mas pode também ser minimizada por uma sintonia de pensamentos, atitudes e sentimentos.
Podemos ao mesmo tempo estar tão longe e tão perto de alguém.
É assim que eu te sinto, dentro de mim mas na realidade tão longe.
Não te vejo,
não te toco,
não te oiço,
apenas te sinto.
Vejo-te em cada pensamento, em cada sonho inconsciente, em cada memória que recorta a tua imagem. Tocas bem no fundo de mim a cada palavra gravada naqueles papeis que impõem a tua presença. Estás presente em cada segundo meu, em cada palavra, em cada sopro de existência. Permaneces aqui, mesmo que tenhamos tantos quilómetros de chão entre nós.
Vives em mim, habitas-me e sempre me habitarás, porque és parte de mim.
Mary, 8 de Agosto de 2007
Escrever-te. Escrever-te de novo e talvez como sempre. Voltaste. Estás aqui, único e como sempre te vi, verdadeiro áquilo que foste e sem medo falar daquilo que já passou. Ai como eu sentia falta daquela conversa, de perceber tudo o que sempre foi incompreensível. Pergunto-me se não era isso que eu buscava no meio de toda a escuridão.
Voltar a falar contigo, aquelas conversas que não são apenas efémeras palavras que se apagam instantaneamente. Como sentia saudade do teu sorriso verdadeiro, que me abraça e dá a certeza que voltaste.
Será que fui mesmo eu que te criei? Será que alguma vez te perdi? Não sei. Mas talvez sempre tenhas existido e não tenha sido eu a perder-te, penso que te perdeste de ti mesmo. Encontrei-te e sei que aos poucos também te encontras e voltas a ti.
Foste tanto e continuaste sempre a sê-lo. Conforta-me saber que nunca nos esqueceste, que nunca nos enganaste. Sempre te guardei nem que só para mim, mesmo quando eu própria tinha dúvidas da tua veracidade.
Voltar ao nosso mar de existência, mergulhar nos nossos pensamentos e sentir que sou preenchida em cada característica, em cada pormenor. Voltaste a ser iluminado por aquela luz que teimou em nunca se extinguir completamente, que fez questão de sempre me lembrar de quem eras.
Mary, 5 de Agosto de 2007
Sinto saudade da plenitude da totalidade. Sinto saudade das certezas, da eternidade da confiança que depositava em ti. Tantas vezes a quebraste, tantas vezes desististe apenas pensando na satisfação momentânea. Pergunto a mim mesma se alguma vez tiveste consciência dos teus actos, se alguma vez te apercebeste da tua decadência.
Não queria arrancar-te de mim, não queria apagar para sempre a tua presença, não queria esquecer quem fomos. Já fomos. Fomos tanto e na realidade fomos tão pouco. Será que algum dia fomos quem devíamos? Será que alguma vez nos deste o devido valor? Bem cá no fundo acho que sempre desempenhámos os papeis contrários.
Eras tanto. Eras tudo. Tudo aquilo que na realidade não querias ser. A vontade de que permanecesses para sempre comigo, de te prender junto a mim para que nunca me deixasses sozinha, para nunca mais sentir saudades tuas. Tantas vezes me perdi no meu choro de menina. Arrancaste-me a infância, impuseste-me uma maturidade que eu não conhecia, para a qual eu não estava preparada, que eu não tinha de ter.
Pergunto-me quantas vezes mais me irás desiludir, quantas mais vezes terei de me mentalizar que nunca exististe. Acima de tudo queria-te verdadeira, real, queria-te como sempre te imaginei, queria-te como Mãe.
Mary, 13 de Julho de 2007
Não sei porque teimo em lembrar-te. Não sei porque insisto em obrigar-me a viver-te mesmo contra a minha vontade. Respiras dentro de mim, habitas-me e sei que sempre me habitarás, nem que seja no oculto de uma memória que não permite ser esquecida. Voltar a escrever sobre ti é tão injusto, existem tantas outras pessoas que merecem ser lembradas muito mais do que tu. Na realidade não me abandonas nem um segundo, fazes parte de mim, foste o principal responsável pela pessoa em que me tornei depois desta metamorfose que me impuseram sem eu própria saber como. Guardo-te dentro de mim, tu que és pedaço de vitalidade em cada pormenor, em cada pensamento, em cada pedaço da minha personalidade.
Esta noite voltei a sonhar contigo, já nem me lembrava da sensação que é acordar e saber que nunca mais voltaremos a ser os mesmos, que nunca mais voltaremos a ser nós. Recordar-te é tão doloroso, reacende dentro de mim toda a injustiça, toda a revolta, todo o medo da escuridão. Mas, às vezes, enfrento-me e lembro-te nem que seja inconscientemente, como neste sonho, e é através de todas estas pequenas sensações que eu ganho força para acreditar que valeu a pena, que não foi em vão. Serviste nem que para me fazer crescer.
Permaneces naquele cantinho iluminado de mim, naquele lugar bonito que criei para ti, penso que nunca serás substituído. Sei que muitos não entendem o porquê desta recordação tão querida, tão amada, tão eternamente cor-de-rosa. Nem eu me consigo compreender em tudo o que está relacionado contigo.
A razão, a verdadeira palavra que encerra em si todo o significado é o Amor. Amor. Só pode ter sido amor, só ele pode obrigar a perdoar todas as crueldades, todas as maldades, todas as mentiras, todos os enganos. Só ele pode curar todas as feridas e fazer com que ultrapasse todas as defesas que criei para impedir que voltasses a magoar-me.
Bem dentro de mim eu sei que não existes, que nunca exististe, que nunca foste verdadeiramente o meu anjo. Criei-te, moldei-te, fiz-te à minha medida, sem imperfeições que me impedissem de te amar. Tudo se perdeu no nosso mar, naquela praia de semelhanças que pareciam ter sido criadas pelo destino. Agora, sei que apesar de não existires eu continuo a admirar a pessoa que criei, nem que só para mim, mesmo que tu próprio penses e queiras ser esquecido.
Mary, 16 de Junho de 2007
Cá estou eu, de volta a este meu mundo mais verdadeiro, onde, finalmente, vejo a razão.
Talvez pela calma característica deste meu refúgio, eu consiga, aqui, ter coragem para proceder da forma mais correcta, mesmo que não seja a mais agradável.
Aqui consigo perceber que se critico o mundo por ser egoísta e juíz de todo o desagradável, não me posso tornar mais uma fonte desse egoísmo,
Custa-me, não o posso negar, mas nem sempre aquilo que tem que ser feito é aquilo que nos parece mais fácil. Aqui relevo-me desse outro mundo exigente demais para ser generoso e sinto que a cada lofada de ar fresco, a cada raio de sol que penetra o meu corpo, eu purifico a minha alma, e como tal, tenho de ser fiel a mim mesma.
A razão é única, não se deixa manipular por favoritismos que muitas vezes nos impedem de ser justos. Foi por isso que tudo terminou, porque tinha de terminar, porque era assim que tinha de ser e desde o início que ambos sabiamos disso. Se é assim que tem de ser, a mim apenas me cabe aceitar e esperar que, desta vez, realmente dê certo.
Mary, 10 de Junho de 2007
Queria poder acabar com todas as dúvidas, terminar todos os inconvenientes, pôr termo a todas as oposições.
Queria arriscar, não desistir e saber que iria resultar, que iria ser verdadeiro.
Queria tornar real esta história em que apenas nós não acreditámos, mostrar ao mundo e a nós mesmos que nos encaixamos, nos compreendemos, nos bastamos um ao outro, como se fossemos únicos.
Ganhar um beijo verdadeiro, com a certeza de que não foi apenas um beijo roubado, que foi mais que isso, que foi o reflexo daquilo que poderemos vir a tornar-nos.
E sinto que lá no fundo fundo de mim, uma nova força vai sendo criada. Sinto que aos poucos vou encontrando em ti o esboço daquilo que desejo ter, que vai sendo moldado até chegar ao teu verdadeiro ser, áquele que só conheço em relação aos outros... e a mim? Quero conhecer-te perante o meu ser, encarar-te de frente e dar a mim mesma a certeza de que isto não é uma loucura insana.
Queria poder ficar interminavelmente na segurança daquele que mais se parece comigo, que muitas vezes apenas eu compreendo, nem que seja sabendo que, como eu, apenas tenta ser fiel a si mesmo.
Mary, 29 de Abril de 2007
"Mesmo quando tudo pede um pouco mais de calma
Até quando o corpo pede um pouco mais de alma
A vida não para
(...)
O mundo vai girando cada vez mais veloz
A gente espera do mundo o mundo espera de nós
Um pouco mais de paciência"
Letra da música paciência
Ao ouvir esta música constatei que afinal existem pessoas que, como eu, já chegaram à conclusão de que esta vida não se permite ser vivida.
Não sei se ela própria esconde, subtilmente, a fórmula da sua "utilização", ou se somos nós que não conseguimos visualizar a sua essência. Mas tenho a certeza, a certeza absoluta de que a vida não é só isto.
Tem de haver tempo para vivermos plenamente, para sermos únicamente nós, para alcançarmos a calma que nos permite sermos felizes.
Penso que a principal razão da nossa inexistência é estarmos demasiados preocupados com o acessório que tornamos principal.
Não somos nós, somos a existência dos pormenores daquilo que temos, que nos absorvem e mascaram a nossa identidade. Estamos demasiado atarefados para sentir, para pensar, reflectir e perceber que a veemência do sopro da nossa exisência é muito mais gratificante do que as máscaras que nos escondem.
Acho que até já temos medo de ser nós próprios, tentamos sempre alterar algo de nós que, por muito ínfimo que nos pareça, acaba por adulterar o profundo do nosso ser.
Há falta de compreensão, de preocupação, de observação e ajuda a quem relamente precisa, de uma palavra, de um carinho, de um simples sorriso que demonstra o que as palavras são incapazes de exprimir.
Apenas tenho pena de ser insuficiente para acordar este mundo que é cego porque não quer ver, queria tanto dar um pouco da minha paz...
Mary, 20 de Maio de 2007